O mundo como o conhecemos está desmoronando e não sabemos o que vai surgir desses escombros. A violência e desemprego só não estão maiores do que a autoestima da Mallu Magalhães cantando samba. Sou da década de 80, não pagava aluguel nas crises anteriores, por isso só posso falar desta como a pior que já vivi.
Quando a gente acreditava que a luta por liberdades civis estavam avançando, uma massa conservadora e reacionária resolveu reagir e sair do armário, e Bolsonaro 2018 deixou de ser uma realidade improvável para se tornar um pauta exequível.
Diante de tanta notícia ruim, um dos refúgios que encontro é a arte. E, apesar de tudo, do prefeito evangélico que quer acabar com o carnaval e os eventos de rua, no micro, Donald Trump, no macro, e das gírias paulistas chegando ao Rio, excelentes produções que tocam lá fundo estão sendo realizadas. Parece que a arte absorve a crise como matéria criativa, o que me faz não ter dúvidas que estamos vivendo um momento de renascimento.
Crime na Uruguaina, Teatro do Saara |
Não sou purista, mas uma das manifestações teatrais mais autênticas que assisti recentemente foi no Teatro do Saara. Sacrifício e entrega em nome da arte em um antigo sobrado vitimado por um incêncio que só deixou as paredes externas em pé. Foi ali dentro, debaixo de uma lona improvisada que fazia as vezes de teto e paletes empilhados como arquibancada, que assisti Crime na Uruguaiana, peça com 15 minutos de duração, na hora do almoço, voltada para trabalhadores e transeuntes do segundo maior centro de mercado popular do Brasil.
Foi um tapa na cara do meu preconceito. Confesso que imaginei assistir uma peça de humor raso e entendimento fácil voltado para o público que não tinha o hábito de frequentar teatros. De fato, o público pensando para o Teatro do Saara é aquele que por motivos sociais não tem acesso às salas de apresentações, mas o que foi apresentado ali não foi uma simplificação para alcançar uma plateia 'iletrada'. Foi teatro de verdade, arte com todas as suas letras e características.
A cena se passava na chuva, e a chuva de verdade que caía do lado de fora e dentro do sobrado, por causa das goteiras, aumentaram ainda mais a imersão na história. O som das gotas que saía das caixas se misturava com o som das gotas reais batendo na lona. O ventilador, que tinha mais o objetivo se tentar secar a arquibancada do que refrescar o público, me deixou com frio e arrepiado, como quem acompanha a cena molhado ao lado das personagens.
Uma peça bonita, poética e também trágica. Dois atores absortos que não conseguiram segurar as lágrimas diante da plateia cheia e do último dia de apresentação. Ao fechar das cortinas, ouvimos os gritos eufóricos de comemoração do casal que tinha acabado de se apresentar, e essa euforia se transmitiu a nós, que de alguma forma compartilhávamos aqueles sentimentos.
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Teatro não sobrevive apenas com bilheteria, por isso a importância de ferramentas de patrocínio, tanto privado quanto público. O Teatro do Saara só foi possível graças ao Fomento de 2015, programa da prefeitura que transfere recursos diretamente para produtores culturais. Em 2016, no apagar das luzes da gestão Paes, foi lançado outro, cujo pagamento foi cancelado por conta da derrota nas urnas e cujo compromisso não foi assumido Crivella.
Procure saber: #PagaOfomentoPrefeito
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PS.: dois fimes que recentemente também me marcaram: Eu, Daniel Blake e Lion.
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