Meu mapa étnico. Acesse o resultado completo aqui. |
África (21,9%)
Meu avô materno era negro e me lembro dele ao olhar pro espelho. Durante minha infância e adolescência, nossos narizes foram parecidos, largos e achatados, característico dos afrodescendentes. Um amigo artista, que estudou muito proporções do corpo para seus quadros, sabia, mesmo sem eu contar, que tinha um ascendente direto negro apenas olhando para meu nariz.
Meu avô e eu éramos muito próximos e foi com ele que aprendi a flanar por aí. Não de forma boêmia, já que ele era evangélico, mas a andar pela cidade com a tranquilidade de quem não busca um destino, mas de quem está aproveitando o caminho. Caminhávamos em silêncio e muitas vezes acompanhei diálogos que ele travava consigo mesmo, nos quais explicava suas ideias para um interlocutor imaginário.
Não consigo lembrar de absolutamente nada que ele tenha me dito, nenhum conselho, nenhuma bronca. Caminhávamos pelas ruas em silêncio, e foram o silêncio, as ruas e sua companhia que ficaram marcadas na minha memória.
Vô João foi o meu primeiro parente próximo a morrer, e foi essa morte que me ensinou sobre o luto. Tenho vívidas lembranças da manhã em que ele saiu de casa para o hospital e nunca mais voltou. Estávamos na sala, ele com a mão no peito reclamando da dor do infarto e eu, preocupado, olhando-o e tentando de alguma forma confortá-lo.
Quando resolvi fazer o teste de DNA para mapear minha ancestralidade, o motivo principal era saber de qual lugar da África veio o nariz que herdei do meu avô. Sendo brasileiro, era fácil supor, por conta da escravidão, que seus (nossos) antepassados vieram da região de Gana, Camarões e Nigéria, e foi exatamente isso que o resultado mostrou. Sou 8,6% nigeriano. Só o que mais chamou minha atenção é que minha parte africana maior vem do norte do continente, magrebe e seus países vizinhos, totalizando 11,4% do que sou. Uma região muçulmana, Egito, Líbia, Marrocos e Tunísia.
Também sou 1,9% queniano (Tanzânia, Uganda e Etiópia), costa índica, e pensar o fluxo migratório que todas essas pessoas fizeram até chegar em mim é algo que dá um nó na minha cabeça. Não consigo parar e olhar meu mapa étnico e ficar imaginando povos nômades cruzando o deserto, a dor das viagens nos navios negreiros e intercâmbios comerciais entre o norte e a África subsaariana.
Norte da África: 11,4%
África Ocidental (Nigéria): 8,6%
África Oriental (Quênia): 1,9%
América Central e do Sul (22,9%)
Além do meu nariz, outra característica são meus olhos levemente puxados. Por isso, antes de ter o resultado dos testes, imaginei ter um pé na Ásia. Meus palpites da minha composição genética foram:
- Ibérico;
- Alguma da África (Guiné, Congo ou Angola);
- Indígena Amazônico;
- Europa Ocidental (toda minha família é nordestina, alguma coisa me dizia que tinha um pedacinho holandês por conta da ocupação de Pernambuco);
- Alguma coisa asiática, por causa dos olhos.
Errei 'rude' nos meus palpites. Acertei apenas na parte ibérica, o que é bem óbvio por causa da nossa colonização portuguesa. Conversando com meu pai descobri que ele teve um avô italiano (meu bisa), o que explica os 12,4% italianos.
Na África eu confundi os portos de partida dos negros (Guiné, Congo e Angola) com a região de onde os escravos eram capturados.
Errei também na parte indígena (apenas 0,8%, minha menor composição, provavelmente de um hexavô - temos 128 hexavós) e na Europa Ocidental (0%. Como minha mãe se chama Mauricéa e o nome da cidade fundada por Maurício de Nassau era Maurícia, eu chutei, mesmo sabendo da inexistência de qualquer relação entre o nome e minha origem, que teria uma parte holandesa no meu DNA).
Meus olhos são puxados como os dessas crianças maias, mas isso não significa que essa seja a origem desta minha característica |
Europa (55,2%)
Além da conhecida parte ibérica (30,2%) e italiana (12,4%), meu mapa apresenta outras duas regiões europeias: norte ocidental (10,2%, Alemanha, Bélgica, França, Suíça, República Checa e Países Baixos) e judeu asquenazita (2,4%, Polônia, Ucrânia, Romênia, Lituânia e Bielorrússia).
Sou um vira-lata brasileiro, e como um bom vira-lata não tenho registros dos meus antepassados. O máximo que consigo chegar conversando com meus pais é até, vagamente, meus bisavós. Minha mãe mandou imprimir um brasão dos Barbosa e dos Silva, que exibe emoldurado na sala de casa, mas no fundo todo mundo sabe que a gente não tem brasão nem pedigree. O quadro é apenas uma forma de imaginar um passado aristocrático que, sabemos, não possuímos.
Assim, esse meu DNA do norte ocidental da Europa e judeu se perdeu.
(uma curiosidade: tive uma bisavó que era prima de segundo grau de Lampião. Olho de Frida, sangue de cangaceiro)
Finalizando
Na verdade, todos os seres vivos são parentes de alguma forma. Você e a samambaia da sua varanda possuem um ancestral em comum, ambos surgiram da primeira forma de vida que brotou, provavelmente, no fundo do oceano, na chamada sopa primordial.
Querendo você acreditar ou não, somos sim parentes dos macacos e o mesmo exame de DNA que passa no programa do Ratinho para mostrar a paternidade de uma criança é o utilizado para provar que nós somos primos dos chimpanzés.
Carregamos em nós a história de toda humanidade e de todos os seres vivos. Aprofundando mais, cada uma das nossas moléculas que compõem nosso corpo foi cozida na explosão de estrelas bilhões de anos atrás. Somos poeira das estrelas, como disse Carl Sagan. Somos o universo em miniatura e, no fundo, pouco importa saber minha ancestralidade. Precisei fazer um exame de DNA para descobrir isso.
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* Como funciona o teste de ancestralidade
Obs: isso é um resumo. O processo é muito mais complexo que isso.
Assim como fiz com a homeopatia, pretendo escrever um texto explicativo sobre a origem da vida e a evolução de forma resumida e simples. O que importa dizer agora é que todos os seres vivos (plantas e animais) são formados por uma combinação de apenas quatro letras (A, T, C e G) que compõe o DNA, armazenados em 46 cromossomos localizados no núcleo de todas as células. Também existe o DNA mitocondrial, igualmente utilizado em mapeamento de ancestralidade por algumas empresas, mas que não é utilizado como molde para criação de um ser humano.
Nós temos três bilhões de pares dessas quatro letras mas apenas 1,5% disso é utilizado para codificar proteínas. O restante ainda é um mistério para a ciência, provavelmente resquícios de quando éramos outras espécies e que já tiveram funções no passado.
O processo de multiplicação de uma célula não é perfeito e por vezes uma dessa letras do DNA é trocada. Essa mudança na receita é chamada mutação, que pode resultar em uma desvantagem evolutiva, como uma doença, ou uma vantagem.
Os primeiros Homo sapiens surgiram na África e como os continentes eram mais próximos uns dos outros, eles foram andando ou navegando para todo o resto do mundo, fazendo com que este isolamento geográfico fizesse com que determinadas mutações gênicas ficassem restritas a estes grupos. Isso explica porque os seres humanos de cada continente tem características físicas próprias. Por exemplo, na Europa, como a incidência solar é escassa, a pela branca foi uma vantagem evolutiva ao permitir maior captação solar para produção da vitamina D, enquanto na África a pele negra é mais adequada por conta do excesso raios solares.
As empresas que verificam a ancestralidade procuram no DNA essas mutações restritas a determinados grupos étnicos. Não é perfeito, é uma análise estatística já que alguns povos possuem os mesmos marcadores gênicos, mas baseado em fluxos migratórios e na média de determinadas populações é possível chegar perto da realidade.
Não é feita uma leitura completa de todos os pares, apenas uma pequena fração é analisada. O DNA de todos os humanos é 99,9% igual. Apenas 0,1% é diferente, e é essa pequena parte a responsável por nossas diferenças (altura, cor dos olhos, formato dos cabelos etc). É também só essa parte que é lida pelos laboratórios.
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