domingo, 12 de janeiro de 2020

O Amor é Cozinha

Tenho muita dificuldade para realizar tarefas repetitivas e que demandam tempo e paciência, como cultivar uma horta, limpar minha bicicleta ou artesanato. No mundo hiperconectado de hoje, até ler um livro ou assistir um filme são atividades quase impossíveis de serem realizadas sem dar aquela checada no Facebook ou WhatsApp a cada cinco minutos.

Acho que a única coisa que consegue minha total atenção é a cozinha. Planejar minhas refeições, escolher os alimentos na feira, o preparo e a limpeza da louça são atividades nas quais emerjo. Passo boa parte do tempo fazendo isso, já que faço todas minhas refeições em casa.

Impossível cozinhar sem ter paciência ou querendo atropelar processos para chegar logo ao resultado. Muitas vezes passam-se horas no preparo para que o consumo seja realizado em poucos minutos.

Cozinhar é cuidar, é ficar atento ao fogão para não queimar, é perceber pequenos detalhes como o ponto da fermentação da massa do pão, é entender que o cozimento no forno é lento e que não adianta aumentar a temperatura para diminuir a espera.

Meu pão de fermentação natural
Numa sociedade de consumo de massa como a nossa, tudo nos leva para a compra de produtos prontos. Tá tudo ali, na prateleira, é só pegar e comer. O capitalismo veio para nos libertar das amarras do prazo, para dar-nos tempo livre para atividades realmente importantes e cozinhar não é uma dessas atividades importantes.

O Tinder é o supermercado dos relacionamentos, transportamos nosso modelo de consumo para a forma com a qual lidamos com as pessoas. Queremos o resultado de uma comida caseira mas sem a necessidade de passar por todo o processo que isso envolve.

Almejamos relações duradouras mas não sabemos mais como construí-las. É preciso parar, voltar algumas casas e aprender (ou reaprender) como construir ligações sólidas com o outro, assim como temos feito quando repensamos nossa alimentação, quando voltamos a colocar a mão na comida e apreciar cada etapa do processo, com a calma e a paciência necessária para o preparo, no fogo baixo, de um guisado.

Tenho repensado meus relacionamentos e cheguei a conclusão que preciso fazer com eles o mesmo que faço na cozinha. O capitalismo molda todos os nossos comportamentos e fugir de suas garras, mesmo que seja uma fuga ilusória, é um dos meus objetivos.

Construir o amor é como cozinhar, e cozinhar com seu amor é a coisa mais incrível que alguém pode fazer.

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Estou lendo Bauman, que fala sobre como o mercado de consumo influencia nossas relações amorosas, e é impossível não fazer uma analogia com a cozinha. Estou no início do livro, mas ainda não aprendi a cozinhar um texto.

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