quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Carta aberta à André Abreu


Nasci e fui criado na Ilha do Governador. A bicicleta é meu principal meio de transporte. Escrevo este texto para André Abreu, que admitiu publicamente ter derrubado ciclistas na Linha Vermelha propositalmente enquanto dirigia seu carro a 120km/h. Poderia ter sido eu o derrubado. Minha mãe poderia estar agora chorando em cima do meu caixão. Por isso espero que ele leia meus comentários.

Comecei a pedalar por um trecho da Linha Amarela e Vermelha para fugir da cracolôndia da Avenida Brasil, ou seja, procurando uma rota mais segura. Era comum relatos de assaltos praticados naquela área e por isso iniciei esta prática.

Morando na Ilha e trabalhando no Centro, fiz esse trajeto pedalando, ida e volta, diariamente durante aproximadamente um ano. Posso dizer por experiência própria que a Linha Vermelha é mais segura pelos seguintes motivos: a pista é mais larga, o asfalto é melhor e há poucas entradas e saídas. Subo na via pela Ponte do Saber e desço em São Cristóvão. Na volta, subo no Caju e desço no Fundão, ou seja, não preciso atravessar nenhuma agulha.

Além de procurar um caminho mais seguro para chegar ao trabalho, pedalar na rua é para mim um ato político. É uma reivindicação de uso da bicicleta como meio de transporte, principalmente quando faço isso em um local dito proibido.

A forma como a cidade é planejada privilegia o carro. A maior parte dos investimentos públicos é feita para beneficiar o transporte individual. A ponte estaiada de São Paulo é um exemplo recente de como os governantes administram a cidade. Custou 200 milhões de reais e só é permitida a travessia por veículos motorizados. Pedestres e ciclistas estão proibidos de atravessar o rio por ela.

Apenas 20% das pessoas se locomovem de carro, ocupando 80% do espaço das ruas. Enquanto isso, o resto das pessoas, ou seja, 80%, precisa se espremer nos 20% restantes das vias. Para piorar, a maior parte do investimento visa apenas construir mais espaços de uso exclusivo dos carros. Esses números precisam ser alterados. Incentivar o transporte público, a bicicleta e o pedestre é uma questão de democracia. Mais recursos para beneficiar mais pessoas.

Quando pedalo pela Linha Vermelha estou dizendo que existo, que me locomovo de bicicleta e que a cidade precisa ser planejada para gente como eu também. Durante muito tempo nós fomos deixados de lado, mas agora reivindicamos políticas públicas que nos beneficiem. Não é possível mais admitir que novas pontes, viadutos e estradas sejam construídas sem que se pensem na gente. É possível e São Paulo está consertando este erro histórico criando ciclovias nas marginais. É um projeto piloto que deve ser estendido para outras vias. Nada deve parecer impossível de mudar e eu acredito que ações como essa possam ser feitas no Rio.

O mais assustador dessa história é que diariamente dezenas de crianças se arriscam entre os carros na Linha Vermelha vendendo biscoitos e bebidas. Não são apenas crianças trabalhando, são crianças em um trabalho insalubre e perigoso. Não entendo como essa situação não chame mais atenção do que ciclistas procurando uma rota mais segura em seus trajetos.

Esse tipo de pensamento que o André expressou um dia será extinto. Aos poucos, através da nossa militância, estamos contribuindo para acabar com esse tipo de comportamento. Chamar um jogador negro de macaco não é mais um comportamento aceitável. Fazer chacota com o sotaque da Miss Ceará não é mais um comportamento aceitável. Ameaçar ciclistas com carros não é mais um comportamento aceitável.

Faço questão de frisar que nós combatemos idéias e comportamentos racistas e violentos. Nossa luta não é contra as pessoas, por isso rechaço todas as ameaças que o André está sofrendo.

Eu não mereço ser atropelado. Sou uma pessoa querida pelos meus amigos, dedico boa parte da minha vida militando pela construção de um mundo mais justo. Trabalho numa das principais organizações que denunciou a fome no Brasil, contribuindo para que o país deixasse recentemente o mapa da fome da ONU. Pauto minha vida no respeito ao próximo e as dezenas de amigos que tenho não ser furtarão a declarar o quanto isso é verdade. Mas independentemente disso, mesmo sem considerar a conduta e valores morais de qualquer pessoa, ninguém merece ser atropelado e morto por pedalar pela cidade.

O André tem a filha na foto de perfil do Facebook. Será que não passou pela cabeça dele que aquelas pessoas que ele derrubou e que poderia ter matado também não possuíam filhas, e que elas pudessem estar esperando os pais em casa, assim como a dele estava? Mas tendo filhas ou não, sendo cidadão de bem ou não, ninguém merece ser atropelado por pedalar pela cidade.

O engraçado é que o André reclamou que o ciclista estava trafegando em um local proibido e dirigia seu carro a 120km/h em uma pista que possui velocidade máxima permitida de 100km/h. É sempre assim, a maior parte das reclamações que ouço na Linha Vermelha vem de motoristas que assistem DVDs presos aos painéis, que dirigem com uma mão, falam ao celular ou motociclistas que não trafegam pela faixa obrigatória da direita. Pessoas que reclamam daqueles que infringem regras infringindo regras.

Depois da repercussão que o caso teve, André divulgou um texto que não explica o que aconteceu. Lendo alguns comentários de seus amigos, vi pessoas falando de Deus para dar suporte a ele. Na boa, não entendo como sempre Deus é citado para justificar atitudes criminosas e violentas. Deve ser por isso que sou ateu, Deus para mim deveria significar amor e não ódio.

Outro argumento citado é que não é mais possível dar opinião. Vejam bem, opinião é uma coisa, incitar o crime, o ódio e a violência é outra coisa completamente diferente. Viver em uma democracia não significa que você pode sair por aí matando os outros.

Essa história está apenas no início e não pode acabar assim. Denunciei como crime de ódio na Polícia Federal e espero que ele seja chamado para prestar depoimento. Peço que todos façam o mesmo. Divulguem e denunciem o caso.

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De boa! E escrevendo sem rodeios ... bicicleta tem lugar certo de andar ... esses pseudo ciclistas que andam na Linha vermelha sentiram o deslocamento de ar de uma massa com mais de 1.5Ton a 120km/h conhecido e batizado carinhosamente como #hulk e foram parar no chão... não tenho pena! Lugar de carro é na RUA e bicicleta é em ciclovias 1.2m de distancia é o KCT... não me venham com puritanismo babaca pq passo por cima da magrela sem dó! Não vou por minha integridade física em risco por causa de modinha! 0 direito de um ciclista de ir e vir acaba onde começa o do motorista de ir e vir! Afinal ninguém apoiou o menino quando ele se meteu com um tigre então não se arrisque se não quer acabar machucado! — se sentindo sem direitos! (André Abreu)

Publicado inicialmente em http://www.ilhados.com/2014/10/carta-aberta-andre-abreu.html 

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