quarta-feira, 23 de março de 2016

Comércio justo num mundo de baixos salários

Moro a poucos minutos de caminhada da nova Praça Mauá. Domingo a noite fui lá com minha digníssima e estava acontecendo uma dessas feiras moderninhas, com gente moderninha, vendendo roupas e comidas em food trucks. Pedimos uma cerveja artesanal e bebemos sentados na beira do cais, sob a luz da lua e com o Museu do Amanhã aos fundos.

Voltando para casa, concordamos que a praça estava linda, mas algo nos incomodava. Era uma beleza diferente, tinha algo estranho ali que não conseguíamos identificar. Felizmente o entendimento não demorou e percebemos que aquele belo não nos pertencia, não nos sentíamos partícipes. 

Além das obras na Região Portuária terem sido feitas sem a participação popular, que também contribuiu para essa sensação de distanciamento que moradores sentem com relação ao lugar que habitam, o que mais me incomodou foram os preços dos produtos vendidos na feira. Não que eu não possa, eventualmente, consumi-los, mas são valores pelos quais não estou acostumado a pagar. Achei tudo muito caro, era uma realidade que não era a minha.

Mas, analisando um pouco mais a fundo para os cento e oitenta reais do vestido, percebi que na verdade os preços não estavam altos. Nós é que estamos acostumados a pagar muito barato por artigos que alimentam uma cadeia de exploração em todas suas etapas até o consumidor.

Vamos tomar como exemplo um vestido que na C&A custa metade do citado acima.

- As fábricas não possuem responsabilidade com o meio ambiente, poluindo as cidades onde estão instaladas e afetando a saúde de seus habitantes;
- Atravessam o oceano de navio, que também polui;
- É vendido barato na loja que paga baixos salários aos seus funcionários.

Comprar direto do produtor diminui pelo menos alguns desses elos de cadeia de exploração, seja do trabalhador, seja do planeta. 

O mesmo se aplica aos alimentos orgânicos, mas com um agravante. Acesso a uma alimentação saudável deveria ser um direito inalienável. 

O problema é que o trabalhador médio ganha pouco. Não tem dinheiro para comprar direto de quem faz. A saia da C&A cabe no orçamento, apesar de acabar em poucos meses de uso. O alimento industrializado também custa menos. Isso fomenta um ciclo destrutivo que parece não ter fim.

Feira da Reforma Agrária, exemplo de comércio justo
O que podemos fazer num mundo de baixos salários?

Precisamos pensar em novas formas de vida. Com baixos salários, devemos incentivar a redução de consumo e da jornada de trabalho, feiras de trocas (produtos e serviços), economia solidária e colaborativa

Um exemplo: você sabia que o tempo médio de uso de uma furadeira doméstica é de 40 minutos? Você compra essa ferramenta mas durante toda a vida fará uso por menos de uma hora. Entretanto, quase todos os lares possuem uma.

E se tivéssemos uma rede solidária entre vizinhos para compartilhar a furadeira? Uma única unidade pode ser usada por todos os moradores de uma rua ou bairro. 

No Morro da Conceição, onde moro, existe um grupo de vizinhos no WhatsApp no qual vendemos, trocamos ou doamos produtos que não utilizamos mais. Conseguimos até comida para gato, numa emergência, e ingressos para shows, além de receber notícias da região e conseguir empréstimos de coisas que precisamos.

Multiplicam-se também o surgimento de sites e aplicativos com essas finalidades. Alguém formata seu computador e você oferece algo que sabe fazer. Com a economia colaborativa, aquele quarto vago na sua casa ou seu carro ocioso podem ser alugados por valores inferiores aos cobrados por hotéis ou locadoras de veículos. A tecnologia está facilitando esses intercâmbios.

Mas fundamental nisso é perceber que não precisamos de muitas coisas ou coisas novas para sermos felizes. Comprar objetos usados no Brasil ainda é uma atividade estigmatizada, sinônimo de pobreza, quando deveria ser sinônimo de inteligência. 

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