segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O que é ciência?

Quando eu era criança, todas as vezes que a escola mandava um recado para minha mãe ela tinha que assinar na marcação 'ciente' do bilhete. Assim, ela demostrava ter tomado 'ciência' da notificação. De forma abrangente, ciência significa conhecimento, mas quando lemos nos jornais que o corte das bolsas de pós-graduação da Capes em agosto de 2019 afetará a produção científica do país, 'ciência' assume outro significado.

Hoje, no titio's tutorial treteiro, vou explicar o que é ciência. Importante falar que isso aqui é o resumo do resumo do resumo.

As instituições

A ciência é produzida por um conjunto de instituições que utiliza o método científico para conseguir respostas. São elas:

Institutos de pesquisas: entidades públicas ou privadas que realizam as pesquisas. Diante de um problema ou pergunta, criam hipóteses que são testadas em ambientes controlados;

Congressos científicos: eventos nos quais são apresentadas pesquisas em andamento para, a partir da avaliação de outros pesquisadores, receberem feedback que podem contribuir com seu desenvolvimento;

Revistas científicas: quando um instituto conclui uma pesquisa, apresenta seus resultados através de um artigo para toda a comunidade. Esta pesquisa fica disponível para ser replicada por outras entidades, cujos resultados podem ou não ser os mesmos, abrindo caminho para refutação, ratificação ou surgimento de novas hipóteses a serem testadas. Antes da publicação, o artigo passa por uma rigorosa análise de outros pesquisadores, que avaliam se a metodologia foi bem desenvolvida e se os resultados são confiáveis;

Órgãos reguladores: antes de um novo produto desenvolvido nos laboratórios chegar ao mercado, órgãos governamentais (como a Anvisa) precisam se certificar que os eles não oferecem risco à população e que cumprem as funções descritas em seus rótulos. Eles avaliam a metodologia utilizada e podem solicitar novos testes. Passado por esse processo, temos um novo produto disponível aos consumidores, como um remédio, por exemplo. As pesquisas nas áreas das ciências humanas não passam por essa regulação já que suas investigações não resultam num produto físico.

Cabem duas ressalvas: 1) existem sistemas nacionais e internacionais que dão notas a todas estas instituições, de forma a avaliar a qualidade e nível de credibilidade de cada uma delas; 2) todo este sistema não é à prova de falhas, muitos resultados são forjados para favorecer determinadas indústrias, mas quando esses casos se tornam públicos os pesquisadores entram num limbo profissional e os institutos de pesquisa perdem credibilidade.

São outras instituições os financiadores e as universidades.

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O método científico

Conjunto de etapas que percorridas produzem o conhecimento científico. De forma resumida, o processo é iniciado a partir de um problema, pergunta ou observação de um fenômeno. Depois são levantadas algumas hipóteses que são testadas. Os resultados são analisados e podem-se chegar a uma conclusão ou ao retorno a uma das etapas anteriores.

Este método é aplicado em hipóteses que podem ser testadas ou falseadas através da observação de evidências empíricas, ou seja, evidências que podem ser percebidas através de um dos nossos sentidos.

Vamos supor que seu vizinho diga que na garagem dele tem um dragão. Você vai lá olhar e não vê nada. Então ele diz que é porque o animal é invisível. Você então tenta, sem sucesso, tocá-lo, mas desta vez a desculpa dada é que ele é intangível. O dragão também não exala nenhum cheiro e não pode ser detectado por nenhum tipo de equipamento. A única prova sua existência é o depoimento de seu vizinho. Esta evidência, o depoimento de uma pessoa, não pode ser testada, logo, teorias que não podem ser provadas através de testes não são consideradas científicas, são mitos. 

Outro exemplo: é comum ouvirmos relatos de pessoas afirmando que a homeopatia funcionou com elas, mas casos isolados não são suficientes para confirmar uma hipótese. Até existem alguns estudos que mostram resultado positivo na homeopatia, mas é preciso destacar duas falhas de metodologia: 1) o número de pessoas acompanhadas (N amostral) é muito pequeno com relação aos estudos conduzidos para se colocar um alopático no mercado (que pode chegar e dezenas de milhares de indivíduos em três grupos: clínico, controle e placebo), o que resulta numa falácia da generalização precipitada; 2) os resultados são superficialmente melhores do que os resultados do placebo. A homeopatia nunca passou por um escrutínio científico, e já foram realizados vários.

A falácia da generalização precipitada é quando o tamanho de uma amostra é insuficiente para sustentar uma generalização e evidência anedótica é uma evidência que só funciona para uma pessoa ou que não pode ser testada. A evidência empírica é aquela que pode ser observada por um dos nossos sentidos.

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Conhecimento tradicional, popular, ou cultura

Os remédios indígenas, feitos pelo pajé através da mistura de várias plantas, apesar de muitos possuírem efeitos reais de cura, não são ciência. Podemos dizer que são conhecimentos tradicionais, conhecimentos populares ou cultura, mas jamais podemos dizer que são ciência porque não passaram pelas instituições nem pelo método científico. Seus resultados foram conseguidos através de centenas de anos de tentativas e erros. Antes do surgimento da ciência, superstições, simpatias e feiticeiros eram utilizados porque eram as únicas opções disponíveis.

As ciências humanas

As ciências humanas também são ciências, exceto a filosofia e as ciências jurídicas, que tratam mais de outras questões, como a ética e a moral. A sociologia, por exemplo, utiliza muita estatística para avaliar grupos populacionais e a antropologia tem o sistema de parentesco. Pesquisas bibliográficas e coleta de testemunhos, técnicas muito utilizadas nas humanas, também se encaixam no método científico.

A psicologia utiliza pesquisas quantitativas e qualitativas, experimentos controlados e observações em ambientes naturais.

As pseudociências

A ciência é extremamente respeitada pela população, por isso algumas pessoas travestem determinados conhecimentos de ciência com o objetivo de ganhar credibilidade, mas quando olhados de perto percebemos que algumas etapas não foram realizadas. Exemplos: homeopatia, astrologia, psicanálise, numerologia entre muitas outras.

Pode uma pessoa comum fazer ciência?

Quando um parente seu fica doente e você receita um remédio, isso é fazer medicina? Quando seu vizinho desenha um quartinho no quintal e pede para um pedreiro construir, ele está fazendo arquitetura ou engenharia? Pode-se produzir ciência na garagem de casa? A resposta é: depende.

Como vimos, o produzir ciência passa por diversas instituições. Para ganhar o carimbo 'comprovado cientificamente' a pesquisa precisa ser replicável, da aprovação da comunidade e ser publicado numa revista.

A indústria

A indústria frequentemente paga por pesquisas que permitam a comercialização de seus produtos, mesmo que os resultados sejam forçados e isso custe a vida dos consumidores. As fabricantes de cigarros são um grande exemplo, que apresentavam 'estudos' que comprovavam benefícios em saúde do fumo. Agora os agrotóxicos estão passando pelo mesmo escrutínio público, assim como as farmacêuticas.

O que cabe ressaltar nestes casos é que essas falsas pesquisas são refutadas com ciência. Estudos idôneos são conduzidos e através da metodologia aqui apresentada escancaram os interesses desses grupos que podem sofrer sanções penais por esta conduta.

Resumo

Hoje aprendemos que nem toda produção de conhecimento é ciência. Os saberes que não passaram pelas instituições científicas são saberes tradicionais, populares ou cultura. 

As pseudociências, como a homeopatia, tentando ganhar credibilidade da sociedade, se travestem de ciência mas suas hipóteses nunca foram comprovadas pelo método científico. Logo, são mitos.

A ciência nunca é feita só por uma pessoa ou instituição. Precisa passar por um conjunto de entidades, ser replicável e testável.

Falsos resultados apresentados pela indústria são refutados com mais ciência, e não com menos.

A ciência não vende verdades absolutas. Diante de novas evidências, coloca as conclusões anteriores em xeque e parte na busca de novos resultados. É um exercício de humildade e a melhor coisa que a humanidade já criou.

Referências (algumas)
Armadilhas do Pensamento - Evidências Anedóticas

Falseabilidade

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