sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Olhar o mundo de forma crítica é ser livre

Cresci numa família de classe média baixa. Meus pais, nordestinos que vieram para o Rio em busca de melhores condições, nunca deixaram faltar comida e atendimento médico, mas alguns pequenos 'luxos' requeriam planejamento financeiro e espera, como a Coleção Guia Prático de Ciências, da antiga revista Globo Ciência (atual Galileu).

Numa época em que não existia internet e com apenas uma televisão em casa, com quatro ou cinco canais e preferência de uso dos adultos, com a hiperatividade inerente às crianças, fazer o tempo passar requeria habilidades muito diferentes das de hoje em dia. Por isso ainda lembro da caixa chegando com todos aqueles livros: capas duras e integralmente coloridos, 15 fascículos divididos em 5 temas: Como a Natureza, Corpo Humano, Universo, Terra e a Ciência Funcionam. Esses livros foram, sem dúvida, uma das minhas referências de vida mais importantes.

Foram dias no quarto folheando aquelas páginas e realizando as experiências que explicavam como tudo funcionava. Copos com bexigas e canudos para simular um pulmão, imãs e agulhas para fazer bússolas, pentes para demostrar a eletricidade estática, tudo ricamente ilustrado e com as devidas explicações. Uma obra primorosa.

Pouco tempo depois ganhei um microscópio. Era uma peça infantil, quase um brinquedo, mas suficiente para, na escuridão do quarto com as janelas fechadas, ficar observando pequenos insetos e folhas.

Minha terceira grande referência foi a Maquinha de Escrever. Utilizando papel carbono como fita e um disco giratório para escolher as letras, nela rascunhei meus primeiros 'papers'.

Maquininha de Escrever
Apesar de todos os indícios daquele período, não me tornei cientista mas aprendi a não cair em engôdos tão comuns hoje em dia, como homeopatia e astrologia. Conhecer a ciência e seus métodos é libertador.

Fatos científicos acontecem independentemente das crenças das pessoas. A gravidade vai funcionar para todo mundo, não importa qual é a sua religião, partido político, etnia ou orientação sexual, os objetos vão sempre cair. A mesma coisa acontece com a homeopatia. Suas crenças não significam coisa alguma, esse tipo de tratamento só funciona como placebo e nada mais pode ser dito a respeito. Ponto.

Muitas vezes me acham arrogante por defender de forma tão enfática determinadas coisas, mas eu acho o contrário. Nada mais arrogante do que acreditar que nossos pensamentos são capazes de mudar leis químicas e físicas que regem o universo. Nada mais pernóstico do que o pensamento 'a homeopatia funciona para quem acredita', como se o simples fato de acreditar fosse suficiente para mudar a constituição de moléculas e o destino da vida de alguém. Acredite: existem coisas que seus pensamentos não são capazes de alterar.

Conheço muita gente inteligente que acredita nessas coisas, amigos que tiveram excelente formação em várias áreas mas cujas escolas negligenciaram a ciência. Essas pessoas não têm culpa, a culpa é do nosso sistema educacional que não oferece atividades em laboratórios e a resolução de problemas e perguntas através do método científico: observação do fenômeno, elaboração de hipóteses, experimentação, análise dos dados e conclusão. E para piorar, o governo Bolsonaro vai afundar ainda mais a educação, já que alguns do seu quadro funcional são abertamente terraplanistas que defendem o ensino do criacionismo nas escolas. Estamos dando alguns passos para trás e tenho pena, e vergonha, no que essas crianças vão se tornar.

O recado deste texto é: ensinem o método científico para seus filhos. Estimular o pensamento crítico vai ser o grande diferencial no futuro. Oscar Wilde dizia que a maioria das pessoas não vive, apenas existe, por isso eu digo: para viver é preciso ser livre, e olhar o mundo de forma crítica é ser livre.

Ah! Ensinar programação também é importante.

Quero aproveitar e agradecer meus pais por terem aberto mão de tantas coisas por mim. Vocês são incríveis.

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