quinta-feira, 9 de julho de 2020

Rio: monumento à tortura

Outro dia escrevi sobre a forca que existia na Praça Mauá e uma amiga comentou que nunca pisaria ali. Infelizmente andar no Rio é andar por um cemitério indígena e negro, praticamente cada uma das nossas esquinas tem um histórico de tortura e execução.

E nem adianta ficar em casa. Em 1996, ao fazer uma reforma residencial, uma família encontrou ossadas de escravos recém chegados ao Brasil. Eles moravam, literalmente, em cima de um cemitério e hoje esse espaço é o Instituto do Pretos Novos, local de visitação obrigatória para se saber como esse país foi erguido.

Existiam mais dois outros patíbulos na região: um na esquina da Avenida Passos com a Rua Senhor dos Passos, onde Tiradentes foi executado, e outro no Largo da Capim, Rua dos Andradas, demolido para dar passagem à Avenida Presidente Vargas.

Vale citar uma antiga tradição portuguesa trazida para o Rio, a lúgubre procissão dos ossos. Na noite anterior ao dia dos finados, a Irmandade da Misericórdia, com sede na Santa Casa (Rua Santa Luzia), vestida com capas pretas e sob a luz de tochas, punha-se em marcha pelas ruas recolhendo corpos pendurados nas forcas e demais cadáveres que não tinham direito a uma sepultura, descartados ao lado dos patíbulos, para um enterro cristão no cemitério do hospital.

Em 1498, o Rei Dom Manuel I permitiu que a Irmandade, todo dia primeiro de novembro, recolhesse os ossos dos justiçados para dar-lhes sepultura. 

Ponta do Calabouço

A vista ao decolar ou pousar no Santos Dumont é deslumbrante, mas muita gente não sabe que pertinho da atual cabeceira ficava a Ponta do Calabouço, uma repartição pública que tinha como objetivo castigar escravos, já que seus senhores estavam proibidos pelo Estado de infringir eles próprios as punições nos cativos.

Mapa do Largo do Capim. A rua São Pedro virou a pista da direita e a Rua do Bom Jesus a da esquerda da Presidente Vargas (fonte)
Comércio de escravos

A poucos metros da minha casa fica o Observatório do Valongo, campus dos cursos de astronomia da UFRJ. Um lugar incrível com diversas atividades para a comunidade, como observação dos astros, palestras e cursos.

Um de seus telescópios, disponível para visitação, ajudou a mapear o pouso do homem na lua.

Mas o lugar inicialmente funcionava como sítio de engorda dos escravos recém chegados da África. É muito provável que o caminho que eu faço até o trabalho, pela Ladeira do Valongo, seja o mesmo percorrido pelos africanos depois de desembarcar no Cais do Valongo, tombado recentemente pela Unesco por ter sido o porto que mais recebeu escravos no mundo, aproximadamente um milhão de pessoas chegaram por ali para realizar trabalhos forçados.

O extermínio continua

A Candelária também fica na Região, e em 1993 oito jovens foram assassinados enquanto dormiam nas ruas. Uma cruz em frente à igreja lembra o evento.

A prática de execução de negros, infelizmente, continua em vigor nas nossas favelas, herança portuguesa desde os primórdios da cidade.


Caminhar no Rio é caminhar sobre sangue.

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