quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A revolução será carnavalizada


Os soldados seguiam com armas em punho pela Rua da Saúde. Para se proteger, andavam próximos às paredes das casas. Pararam a uma distância segura de uma barricada e tomaram um susto com o que viram. Não era possível que os rebeldes dispusessem de tal equipamento bélico.

Em cima de uma carroça, ao lado de um bonde virado e utilizado como barreira, o cano preto apontado para eles era inconfundível: um canhão. Mas como era possível, se aqueles negros descalços apenas utilizavam a capoeira, facões e algumas poucas garruchas velhas como defesa?

Mal sabiam os soldados que aquele canhão na verdade era um poste derrubado pelos amotinados e tinha apenas função estética, para amedrontar. Dali não partiria uma bala.

Do outro lado, na praça, marinheiros desembarcam e atacam a barricada por trás. Tiros são trocados e os insurgentes fogem, alguns feridos. O Exército avança pela rua e o cerco é concluído. Caía Porto Arthur, região que por três dias ficou autônoma.

Próximo dali, no Largo do Depósito, o líder dos insurgentes, Horácio José da Silva, conhecido com Prata Preta, é preso e, mesmo amarrado numa camisa de força, consegue, gingando, derrubar três soldados com as pernas. Depois de muito esforço, é contido e espancado.

Encerrava ali o mais resistente foco da Revolta da Vacina.

Mais de cem anos depois e a poucos metros de onde foi posicionado o falso canhão, moradores da região portuária novamente montaram uma barricada. Desta vez, a mesa na rua apoiava instrumentos musicais e o som dos tiros foram substituídos por samba.

Amigos do Candinho, com apoio de vários jornalistas sensíveis à manutenção do patrimônio cultural do Rio, intervieram e, aquela que inicialmente seria uma despedida, virou símbolo de renascimento. Assim como não conseguiram apagar o histórico de luta daquela gente com o espancamento e prisão do Prata Preta, não conseguirão nos derrotar sem combate.

A notícia chegou pela imprensa e, mesmo sem uma notificação oficial, comemoramos. Parece que a venda do imóvel onde se localiza o Restaurante Cingapura foi cancelada e a prefeitura vai negociar sua permanência.

No feriado de 7 de setembro, Candido Torres estava sozinho dando conta de todas as tarefas do bar, mas rapidamente surgiram voluntários que ajudaram a servir os clientes e trazer mais caixas de cerveja, já que as 10 compradas para a ocasião se esvaziaram com rapidez.

Não se enganem com a desolação do cenário, composto por casas simples e rua intransitável. Ali não precisa de revitalização, já que a vida transborda, precisa de respeito. E foi assim que a poeira levantou com crianças correndo e dezenas de pés que sambavam no chão cheio de terra.

E também não nos enganemos com intervenção da prefeitura: a manutenção do Bar do Candinho como um espaço pitoresco é favorável ao sucesso do Porto Maravilha, que utiliza a tradição como chamariz para investimentos e especulação. De qualquer forma, todos nos emocionamos com o sorriso no rosto daquele português fazendo o que mais gosta de fazer: abrindo garrafas de cerveja e servindo bolinhos de bacalhau.

Obrigado a todos por esse momento.

A barricada erguida pela população da região portuária liderada por Prata Preta

A festa

Cartazes de apoio

O interior do bar

O samba

Mais samba


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