sexta-feira, 17 de julho de 2015

Mãe, pai, já fumei maconha e já fiquei com um cara

Certa vez, ainda adolescente, fazia um curso de formação por conta da aprovação de um projeto que escrevi voltado para jovens moradores em áreas de risco social. Diversas lideranças comunitárias estavam na turma, inclusive uma presidente de associação de moradores que queria me convidar para dar uma palestra para a juventude e falar principalmente sobre drogas, tentando convencê-los a se afastarem e a nunca darem o primeiro trago num cigarro de maconha.

Como era um aluno participativo, que conseguia expor com um pouco de clareza minhas opiniões apesar da pouca idade, ela viu em mim um garoto exemplar, ideal para conversar com outros da minha faixa etária. Pensei por alguns segundos o que responder quando, felizmente, o intervalo acabou e não pudemos continuar a conversa. Eu iria recusar o convite por um motivo simples: eu fumava maconha e não via problema nenhum nisso.

Sim, é uma confissão pública e penso no que meus pais vão pensar quando souberem disso.

Meus pais, como a maioria das pessoas na idade deles, tiveram uma educação tradicional. O fato de serem nordestinos é motivo para supor que esse conservadorismo poderia ser mais acentuado, mas felizmente são pessoas que conseguem respeitar bem as diferenças. Entretanto, não são totalmente libertários, assim como eu também não sou.

Vez por outra, quando estou com raiva, ainda chamo alguém de viado como se isso fosse uma ofensa. Esse tipo de coisa não se cura com um remédio e eventualmente o machismo e a homofobia alojados em algum ponto do meu subconsciente vêm a tona, e é um exercício diário me policiar para extinguir de vez esse tipo de pensamento.

Considero-me uma pessoa boa e, apesar de nunca ter realizado nada grande ou importante na minha vida, meus pais têm orgulho de mim, principalmente por eu não ter tomado nenhum caminho “errado”. Terminar uma pós-graduação e conseguir um emprego são para eles exemplo de conduta, e manter-me afastado das drogas sempre foi uma preocupação na educação que me deram.

Atualmente não fumo mais, mas tenho muitos amigos que fumam e usam outros entorpecentes e mesmo assim trabalham e estudam, são pessoas boas que admiro e diversas delas fazem ações transformadoras, sejam no cicloativismo ou militando nos direitos humanos e sociais.

Pai, mãe, só queria dizer que

- Não, a maconha não é porta de entrada para “drogas pesadas”;
- Não, não roubei em casa para comprar drogas;
- Não, não me prostituí por causa disso;
- Não, não larguei os estudos e deixei de trabalhar.

Pai, mãe, o que mata é a proibição.

Façam um exercício simples: quantas pessoas foram mortas por causa do tráfico no último mês? Lembre-se das matérias de jornais lidas e assistidas. Agora comparem com a quantidade de pessoas mortas de overdose. Qual foi o maior número?

Curioso ver uma política que em tese pretende salvar a vida das pessoas matar mais do que o número de vítimas do mal que ela proíbe.

As pessoas sempre vão usar drogas. Sempre usaram. Seja o açúcar ou o tabaco. Uma política eficaz precisa levar isso em consideração, como foi feito no Uruguai, que reduziu para zero o número de mortos por causa do tráfico. Imagine isso aqui no Brasil, um país sem conflitos armados pelo controle da posse de pontos de vendas. Sem jovens negros mortos na favela porque estavam na esquina vendendo maconha. Acredite, não viraremos um pandemônio com viciados morrendo nas ruas e famílias sendo destruídas com a legalização.

Resolvi escrever isso motivado pelo artigo do Cuenca que pede para que usuários de drogas saiam do armário. São muitos os estudantes, trabalhadores, artistas, pensadores, intelectuais, empresários do nosso convívio ou que estão aí na mídia e são admirados pela sociedade que são usuários. Eles não são viciados incontrolados que arruinaram com suas vidas. É possível ser produtivo como qualquer um e fazer uso da maconha, cocaína e o crack.

Por isso os coelhinhos têm olhos vermelhos
Incluo, sim, o crack neste cálculo. O problema não são as pedras, mas a pobreza e falta de oportunidades dos seus usuários. Para não me alongar muito, recomendo a leitura deste texto que explica um pouco a relação do vício com o ambiente social.
É fato que seres humanos consomem drogas desde a Idade da Pedra. É fato que a recente política de repressão falhou no mundo inteiro. Trata-se de uma das grandes tragédias do século passado que se arrasta por este: o custo social do combate armado às drogas é infinitamente superior ao custo de lidar com o uso regulamentado e legalizado dessas substâncias. A guerra não apenas não reduziu o número de usuários como matou mais do que qualquer droga seria capaz. (J. P. Cuenca)
Vamos eliminar esse estereótipo dos usuários de drogas. Dessa forma poderemos pensar com um pouco mais de clareza a respeito das políticas atualmente em voga, que claramente demostraram falidas.

Quem fuma maconha não vai, necessariamente, roubar para manter o vício, não vai partir para drogas mais pesadas e não vai largar a escola e o trabalho, assim como nem todo gay é afeminado e pervertido. E por falar em homossexualidade, também já fiquei com um cara, mas isso é outra história.

Publicado inicialmente em http://www.ilhados.com/2015/07/mae-pai-ja-fumei-maconha-e-ja-fiquei.html

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