quinta-feira, 14 de março de 2024

Resenha: O Despertar do Universo Consciente

Essa semana fui assistir uma palestra do Marcelo Gleiser, cientista conhecido como Carl Sagan brasileiro. Astrofísico e divulgador científico, com vários livros escritos, protagonizou no Fantástico uma série sobre o universo aos moldes de Cosmos.

Seu mais recente livro, "O Despertar do Universo Consciente", apresenta uma abordagem sobre como a humanidade percebe a si mesma e o universo que a cerca. Gleiser argumenta que essa nova perspectiva tem o potencial de transformar o mindset das pessoas, instigando mudanças em seus hábitos para conter o processo destrutivo que ameaça levar à nossa própria extinção.

A questão central abordada por Gleiser é que a humanidade está destruindo o planeta em parte devido à sensação de insignificância diante da vastidão do universo. Com trilhões de galáxias e trilhões e trilhões de estrelas e planetas, a Terra parece ser apenas um pequeno ponto sem importância nesse cenário grandioso.

Por outro lado, a probabilidade de um planeta abrigar vida é extremamente baixa, o que torna a existência da Terra quase um milagre em si mesma. Gleiser argumenta que precisamos abandonar essa visão de nos percebermos como insignificantes na vastidão do universo e adotar uma perspectiva centrada na vida, reconhecendo a improbabilidade e o valor único que ela representa.

Essa mudança de paradigma, que Gleiser chama de visão biocêntrica, implica em colocar a vida no centro de nossa relação com o cosmos. Quando todos os seres humanos reconhecerem a raridade e a preciosidade da vida, estaremos no caminho para transformar nossa relação com o planeta e, consequentemente, garantir nossa própria sobrevivência.

No final do livro, ele apresenta um manifesto com sugestões de mudanças individuais que seriam capazes de salvar o planeta, como comer menos carne, por exemplo. 

Agora vamos aos meus comentários.

Não acredito que a humanidade esteja relapsa com o planeta por causa desta cosmovisão que implica em enxergar-nos como um pequeno ponto azul e insignificante na imensidão do universo. Eu até gostaria que fosse verdade, queria que as pessoas tivessem tempo livre e condições para refletir sobre seu lugar no universo, mas a realidade é o contrário disso. O negacionismo ganha espaço a cada dia, junto com terraplanismo, movimentos antivacinas e extremismo religioso que querem colocar livros religiosos no lugar da Constituição.

Esse tipo de reflexão pode até ser comum na bolha do Gleiser, composta por intelectuais e alunos das universidades estadunidenses de primeira linha onde ele dá aulas, mas o cotidiano do cidadão comum é outro. Estamos preocupados em sobreviver, em colocar comida na mesa e garantir o mínimo de saúde mental.

O atual estado de destruição ambiental que enfrentamos é em grande parte culpa do capitalismo. Este sistema, que favorece o acúmulo de capital por uma pequena parcela da população, coloca os interesses individuais desses poucos acima da saúde do planeta. Enquanto o 1% mais rico prioriza o acúmulo de riqueza, a capacidade da natureza de se regenerar é comprometida. Enquanto isso, os 99% mais pobres precisam recorrer a práticas não sustentáveis para sobreviver e têm pouca ou nenhuma margem para considerar as consequências de longo prazo de suas ações. 

Assim, o capitalismo destrói o meio ambiente ao mesmo tempo em que mantém uma desigualdade social brutal, tanto na distribuição dos recursos quanto no poder para implementar mudanças significativas em prol da sustentabilidade.

Outra questão que quero abordar são os hábitos individuais como motor para a salvação do planeta. Economizar água em casa e separar lixo para reciclagem são ações importantes e podem ter um impacto positivo no meio ambiente. No entanto, não é suficiente para salvar o mundo da destruição, isso porque as grandes corporações e indústrias são as principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa e da poluição ambiental.

O mais curioso da palestra foi que Gleiser cita uma conversa que teve com Ailton Krenak, autor do livro Ideias Para Adiar o Fim do Mundo. Mas, para Krenak, achar uma alternativa ao capitalismo para nos livrar da extinção tem mais centralidade do que mudanças individuais de comportamento. Este sistema, além da lógica predatória que leva à crise ambiental, produz alienação do ser humano e uma brutal desigualdade social.

Importante frisar que eu não estou defendendo o comunismo. Só estou dizendo que precisamos de uma alternativa ao atual sistema econômico urgentemente.

Em resumo: qualquer abordagem para salvar o mundo sem enfrentamento ao capitalismo é ingênua. Não basta "mudar o mindset", é preciso organizar a luta coletiva para avançar.

* Este texto foi escrito com ajuda de inteligência artificial para garantir clareza e fluidez.

sábado, 30 de setembro de 2023

Como visitar o Campo de Concentração de Senador Pompeu - CE

Eram 20.000 pessoas confinadas em um terreno cercado com arame farpado. Crianças, idosos, homens e mulheres que, fugindo da fome e da seca, foram enviadas de trem para o campo de concentração com a falsa promessa de trabalho.

Foram sete campos criados em 1932 no estado do Ceará. Eles ficavam perto das linhas ferroviárias usadas como rotas de migração do interior para a capital. Milhares de flagelados iam para Fortaleza nos anos de seca, causando problemas sanitários e de segurança pública em uma cidade que passava por um processo de afrancesamento. Para evitar este cenário, a partir de 1915 os campos, também conhecidos como currais do governo, foram criados como política pública higienista.

Retirantes mortos na beira da linha do trem
Retirantes mortos na beira da linha do trem

Obrigados a realizar trabalhos forçados em obras de infraestrutura estatais, recebiam comida estragada e não possuíam nenhum tipo de assistência. As mortes eram diárias e os corpos enterrados em covas coletivas. Muitas vezes, pessoas ainda vivas eram jogadas nas valas.

O único espaço deste tipo que restou foi o de Senador Pompeu, que utilizou prédios de alvenaria abandonados por uma empresa inglesa que construiria a Barragem do Patu. Os demais utilizam barracas provisórias.

Estive lá em setembro de 2023. Tombado em nível estadual em 2022, a única obra que o conjunto arquitetônico formado por alguns casarões, duas estações ferroviárias e três casas de pólvora recebeu foi a troca do telhado de uma dessas construções. De resto, nada ainda foi feito.

A cidade não dispõe de uma placa que conte essa história. Só é possível chegar até os prédios com ajuda de algum morador, já que não existe nenhuma sinalização ou indicação em ferramentas de GPS como o Google Maps ou Waze. Também não existe um guia de turismo local. Dei sorte de conseguir ajuda de um morador que cresceu na região e me levou lá. Se você quiser o contato, pode me escrever que faço a ponte.

Tem bastante conteúdo sobre essa história, é só jogar no Google e Youtube Campo de Concentração Senador Pompeu. Fiz um vídeo da minha visita, que pode ser visto abaixo.

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Chuva todo dia de finados

Há 10 anos que eu coloco no Facebook se choveu ou não no dia 2 de novembro, data que muita gente tem certeza que sempre chove. Neste período, choveu 5 dias e não choveu nos outros 5. 

Ano passado resolvi fazer diferente e utilizar o método científico para provar que essa crença não faz o menor sentido, mas o Brasil é uma terra onde o analfabetismo científico impera, vide a quantidade de pessoas que se recusaram a tomar vacina mas se trataram com cloroquina contra a covid, usa homeopatia e acredita em astrologia.

Peguei dados públicos dos pluviômetros espalhados pela cidade, planilhei e coloquei num dashboard que pode ser visitado no link abaixo. No vídeo explico com fiz.


quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Astrologia fake


Nasci em 3 de julho, mas ao contrário do que diz o povo da astrologia, o sol não estava em Câncer, estava em Gêmeos. Isso porque as constelações são espaços no céu que não possuem o mesmo tamanho, logo o sol não passa a mesma quantidade de dias por elas (na verdade, o sol está parado, quem se mexe é a Terra). É equivocado achar que cada signo tem exatamente um mês.

Por exemplo: o sol “fica” 7 dias em Escorpião e 44 dias em Virgem.

Além disso, ele também passa por uma décima terceira constelação que não está no zodíaco, a Serpentário.

Ou seja: a conta não fecha.

Agora a má notícia para quem é dos signos de Gêmeos, Libra e Escorpião: vocês foram enganados. O sol não passou nenhum dia por essas constelações no dia em que vocês nasceram. Todo geminiano é taurino, todo libriano é virginiano e todo escorpiano é virginiano ou libriano.

Como acordei cedo hoje, resolvi fazer uma planilha que compara as constelações do zodíaco com a real, caso você queira saber onde o sol realmente estava quando você nasceu. Spoiler: só são iguais em 45 dias, ou seja, 13% do ano.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Onde fascistas e progressistas confraternizam

Outro domingo, pedalando pelo Aterro, vi uma criança de que ainda não tinha começado a andar obesa. Seus pais tentavam estimular que ela se exercitasse e fiquei pensando na cena: provavelmente, aquela criança deveria receber refrigerante na mamadeira, além de outros alimentos industrializados, e, diante do ganho de peso, um médico recomendou atividade física.

Talvez não seja essa a realidade, mas uma coisa é certa: hábitos alimentares construídos na infância são extremamente difíceis de serem mudados. Aquele menino será um adulto que passará o resto da vida lutando contra a obesidade ou que será consumido pelas doenças oriundas do sobrepeso.

Já tentei mudar meus hábitos alimentares algumas vezes. Consegui muita coisa, mas tem uma delas que me parece impossível alterar: a carne.

Minha intenção em reduzir ou parar o consumo de animais é o impacto ambiental. O planeta simplesmente não sustenta a quantidade de carne que estamos comendo. É matemático.

Não existe salvação possível do mundo sem discutir nosso prato, mas nosso prato é sagrado e ninguém quer tocar nele. Fazemos churrasco para discutir a revolução, mas não há revolução sem futuro.

Fonte da imagem

A Revista Piauí deste mês traz uma reportagem investigativa sobre como gado criado em áreas protegidas da Amazônia são distribuídas para todo o Brasil, inclusive por grandes frigoríficos como a JBS (da Friboi). Não ache que por morar na capital do Rio ou São Paulo que seu almoço não tem gosto de desmatamento, porque tem.

A gente, que adora colocar a culpa de todos os problemas do mundo no capitalismo, resolveu fechar os olhos para a carne. Como mencionei acima, mudar hábitos alimentares é extremamente difícil, por isso ignoramos o fundamental, e ignorar o fundamental faz com que todos nossos esforços sejam em vão.

A mesa do churrasco é onde fascistas e progressistas confraternizam a passada da boiada.

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Livro: Sal, Açúcar e Gordura: Como a Indústria Alimentícia nos Fisgou

O Demolidor é um filme que mostra um futuro no qual os policiais não usam armas, as pessoas não se tocam quando se cumprimentam, existe multa para quem fala palavras ofensivas e o governo proibiu o consumo de todas as substâncias consideradas prejudiciais à saúde, como sal e cigarros.

Apesar do sucesso de bilheteria, não entrou para o panteão das obras de distopia, talvez por ser uma sátira ao politicamente correto, mostrando um mundo apático e sem graça, claramente vinculado a pautas progressistas.

Lembrei do filme lendo o livro ‘Sal, Açúcar e Gordura: Como a Indústria Alimentícia nos Fisgou’, que fala das estratégias da indústria em nos viciar em alimentos ultraprocessados e de como, a partir da década de noventa, a pressão social por alimentos mais saudáveis começou a agir sobre o governo e as empresas.

O Demolidor é de 1993 e não acredito que ele tenha sido lançado aleatoriamente. Já é bem documentado o quanto Hollywood contribuiu para convencer a opinião pública sobre a Guerra do Vietnã e o consumo de cigarros, então, usar o cinema para defender a liberdade de escolha de comida porcaria não me surpreende.

Uma das cenas mostra o discurso do líder da resistência sobre liberdade de escolha, em poder sentar num bar e se encher de colesterol comendo costeletas e batatas fritas, e é este o argumento utilizado pela indústria para vender salgadinhos cheios de gordura e sal: livre arbítrio e autonomia.


Mas eu queria mesmo era falar do livro, minha sexta leitura do ano. Uma crônica-reportagem no qual Michael Moss conta o resultado de conversas que teve com executivos da indústria, cientistas e técnicos alimentares, publicitários, lobistas e ativistas. Ele também teve acesso a memorandos, atas de reuniões, discursos internos, pesquisas científicas e outros documentos estratégicos que mostram o quanto os ultraprocessados são projetados para atrair a atenção das crianças e confundir os adultos. O quanto seus comerciais usam truques psicológicos e a alta combinação de sal, açúcar e gordura (SAG) estimulam nossas papilas gustativas ao ponto de nos viciar.

Tudo isso é conduzido por profissionais muito bem pagos e com acesso a ferramentas tecnológicas de ponta, e o resultado disso é bem visível: estamos morrendo mais cedo e os cofres das multinacionais que nos empurram essas porcarias travestidas de comida enchem cada vez mais.

Citando nomes, dando referências públicas e datas dos eventos, Moss mostra ser real o que muita gente acredita ser teoria da conspiração.

O Demolidor termina com uma crioprisão explodindo, matando dezenas de presos que estavam cumprindo pena e o Stallone fazendo uma conciliação de classe entre os rebeldes e o poder estabelecido, dizendo que os dois precisam ceder um pouco, o famoso ‘nem eu e nem tu’.

Infelizmente o livro não tem um final feliz, mas também termina defendendo, timidamente, uma conciliação entre Wall Street, a indústria, o governo e os consumidores.

Uma coisa é certa: as pessoas estão morrendo por causa da forma como estão se alimentando, os ultraprocessados são muito mais baratos que alimentos saudáveis e urge uma solução para isso, e a solução não passa pela autorregulamentação do mercado, é preciso que o governo cumpra seu papel constitucional.

Liberdade sem soberania não é nada. Não é apenas sobre escolher o que comprar numa prateleira, é também escolher quais produtos estarão à venda.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Autodefinições

Costumo respeitar as autodefinições de terceiros e agir de acordo com elas. Uma mulher trans é, inquestionavelmente, uma mulher e é assim que vou tratá-la.

Entretanto, a autodefinição não é algo escrito na pedra e que não possa ser questionado. Vamos a alguns exemplos:

Comecei a assistir o episódio da Argentina da série Street Food (Netflix) e logo no início uma mulher diz que os argentinos são muito mais próximos dos europeus do que dos sulamericanos. É uma autodefinição racista? É, e muito. Sou obrigado a respeitar? Não.

A gente sabe o que acontece quando uma pessoa começa a dizer que é de uma raça pura. Então, questionar esse tipo de coisa é um controle social para evitar histórias como o holocausto.

Sem falar dos brancos que entram nas cotas raciais de concursos e do argentino que mudou do gênero masculino para feminino apenas para se aposentar cinco anos antes.

Todo mundo tem o direito a autodefinição, assim como todo mundo tem o direito de questionar a autodefinição dos outros. Ser ou não um babaca é outra coisa.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Fahrenheit 451


Fahrenheit 451 é um romance que mostra um futuro distópico no qual não existem mais incêndios, por isso os bombeiros assumiram um novo papel: queimar livros. Uma leitura mais clássica da obra, abordada no filme da HBO, mostra o perigo da literatura, apresentada como uma ferramenta que desperta um pensamento crítico e autônomo da população que ameaça o sistema, mas existem outras interpretações.

Uma delas é como a televisão substituiu a leitura dentro das casas, imbecilizando as pessoas. Hoje em dia esse papel pode ser substituído pelo celular e pelas redes sociais.

Mas o que quero destacar aqui é como a queima de livros virou política de estado no romance. Tudo começou com minorias (homossexuais, feministas, batistas, adventistas, sionistas, irlandeses etc) se achando no direito e no dever de rasgar páginas e colocar fogo em publicações com as quais não concordam. Alguma semelhança com a política do cancelamento atual?

Vez por outra vejo o compartilhamento de um diagrama que nos coloca na interseção entre 1984, O Conto da Aia e Fahrenheit 451. Nós, do campo progressista, costumamos ver os sinais desses futuros distópicos surgindo entre grupos conservadores, tirando nossa responsabilidade no processo, mas esquecemos que nossas ações podem, sim, ser o estopim desse horizonte que tanto nos aterroriza.

terça-feira, 28 de junho de 2022

Ratanabá

Assisti um trecho da entrevista do ator Sandro Rocha, famoso por Tropa de Elite, na qual ele fala da cidade subterrânea de Ratanabá (uma civilização que teria habitado a Amazônia há milhões de anos) e lembrei na hora do Sr. Buckley, motorista que buscou Carl Sagan no aeroporto certa vez. A história é contada no livro O Mundo Assombrado Pelos Demônios, que é uma das publicações mais importantes para mim.

O Sr. Buckley ficou feliz ao ver que seu passageiro era um cientista famoso e resolveu conversar sobre ‘ciência’: alienígenas presos pelo governo estadunidense, máquinas que conversam com os mortos, o poder de cura dos cristais e Atlântida, cidade extremamente avançada que também teria submergido após um cataclisma geológico. O que Sandro Rocha e o Sr. Buckley têm em comum, além de acreditar em sociedades altamente desenvolvidas que nunca existiram? Ambos são curiosos e querem descobrir os mistérios do universo, condições necessárias para se fazerem cientistas.


Sagan tenta entender em que ponto a sociedade errou e deixou essas pessoas se perderem nas bobagens das pseudociências. Sem focar em questões individuais, esse é um problema que precisa ser tratado de forma coletiva.

A sociedade está permitindo que teorias da conspiração sejam espalhadas pelos seus canais, trazendo confusão às pessoas que acabam não aprendendo a distinguir a ciência verdadeira de sua imitação barata.

Sagan também alerta para o desmonte das instituições científicas públicas e de como isso pode servir de base para ideias extremistas. Parece que ele estava escrevendo sobre o Brasil de hoje, e naquela época nem existiam os tios da zap.

Rocha e Buckley representam milhões de pessoas, e é urgente resgatá-los da escuridão.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Você sabe o que é carne mecanicamente separada, utilizada para fazer hambúrguer, salsicha e nugget?

Quando o boi atinge o peso do abate, ele é transportado do pasto para o abatedouro. Lá, o animal entra no corredor da morte, que o leva até uma câmara na qual sua cabeça fica presa entre duas portas. Então um funcionário dá um "tiro" na cabeça do boi, com um pistão pneumático que crava uma estaca no meio da testa, furando o cérebro. A maioria morre na hora, mas alguns são pendurados ainda vivos pela pata traseira.

Depois de pendurado, outro funcionário faz a sangria, enviando uma faca no pescoço do bicho para que todo o sangue saia. Então o corpo segue por uma linha de produção, com outros trabalhadores encarregados de abrir a barriga para tirar as entranhas, cortar os chifres, rabo, couro e a carne. No final dessa linha só sobra a carcaça.

Mas ainda tem carne nessa carcaça, carne que não foi separada manualmente no processo descrito acima. É aí que entra a separação mecânica, uma centrífuga que gira em alta velocidade e arranca os minúsculos pedaços de carne e gordura dos ossos. Nessa etapa pode ser utilizada amônia, um desengordurante, mas como não é um ingrediente adicionado diretamente aos hambúrgueres, a indústria não é obrigada a colocar essa informação no rótulo.

Depois, todos esses pedacinhos de carne são moídos, juntam-se outros aditivos com objetivo de tirar o gosto ruim da amônia, dar cor, textura e ajudar na conservação, e temos deliciosos nuggets e salsichas.


Saber como são feitos os ultraprocessados têm sido um dos meus interesses e tenho lido muito sobre o assunto. Se eu ganhasse uma bolsa de pesquisa, escreveria o livro que gostaria de ler, que ainda não foi escrito.

Mas a publicação Prato Sujo: Como a Indústria Manipula os Alimentos Para Viciar Você, escrito pela jornalista Márcia Kedouk, segue um caminho bem interessante. Fala com uma linguagem de fácil entendimento de coisas como transgênicos, a revolução verde e os agrotóxicos, as armadilhas dos ultraprocessados vendidos nos mercados como supostamente saudáveis, as estratégias da indústria para vender mais entre outros assuntos.

Fala também o que é a carne mecanicamente separada, mas não com os detalhes que fiz acima, colhidos em outras fontes.

A parte dois fala sobre alimentação saudável, que basicamente são as mesmas recomendações de sempre: comer comida de verdade, aquela que nossos avós identificavam como comida, mas essa dica não vai servir para as gerações mais novas, cujos avós já cresceram sendo envenenados com ultraprocessados.

O livro não tem um tom de ativismo, comum em publicações deste tema, e o motivo é por ser da coleção da Superinteressante, respeitada revista de divulgação científica. Só precisa de uma atualização, pois é de 2013 e novas descobertas já foram feitas nesse período.