sábado, 5 de agosto de 2017

Microrrevolução diária

Foliã
Meus pais são paraibanos e vieram para o Rio em busca de uma vida melhor. Minhas vós eram professora e costureira, e seus companheiros exerciam profissões igualmente simples, mas suficientes para colocar comida no prato e um teto sobre uma cama quente. Não são flagelados da seca que chegaram num pau de arara, mas meu pai vislumbrou um pouco mais de conforto migrando para o Sul Maravilha no final da década de 70 em companhia de uma multidão de outros homens e mulheres que fizeram a mesma aposta.

Muito trabalho e ovo frito no almoço depois, meu pai, guerreiro e exemplo de vida, entrou para Petrobras, o que proporcionou escolas particulares aos seus filhos e a possibilidade da prole poder se dedicar integralmente aos estudos. Minha vida não é diferente ao de uma parcela significativa da população, são milhares de famílias com um histórico parecido: migração do nordeste e uma casinha no subúrbio com alguns eletrodomésticos comprados a prestação.

Um degrau acima na escada social, minha geração foi extremamente mimada e desobrigada a realizar tarefas domésticas, já que, com uma educação melhor e a tendência de continuação da ascensão social, não precisaríamos aprender o trabalho braçal porque, afinal de contas, seríamos gerentes de multinacionais pouco depois dos 20 anos e ganharíamos mais do que nossos pais, com empregados responsáveis por essas tarefas.

Só que, como todos nós sabemos, o país não caminhou para o destino imaginado pelos nossos genitores. A geração Xuxa, que cresceu acreditando que o 'cara lá de cima' nos daria tudo que queríamos, chegou aos 30 subempregada e ainda morando com os pais. Com uma emancipação tardia, chegamos a idade adulta totalmente despreparados para cuidar de uma casa. Muitos ainda não descobriram como a roupa suja jogada no chão continua suja e jogada no chão no dia seguinte.

Hora do recorte de gênero: às meninas sempre foram ensinadas as tarefas domésticas. Não estou fazendo nenhum julgamento de valor nem dizendo que fomos criados de um jeito errado. Nossos pais se esforçaram para fazer o melhor, nos dando uma educação que segundo suas visões de mundo era a mais adequada, só que o ambiente mudou. Tenho certeza que farei o mesmo com meus filhos, ensinando valores e habilidades que serão obsoletas quando eles crescerem.

Essa reflexão me veio depois de observar um grupo de jovens com quem estou trabalhando. Eles são incapazes de jogar os copos descartáveis no lixo e arrumar as cadeiras depois de uma reunião. Vou ter que, no próximo encontro, pedir para fazerem isso. Mas não os culpo, também nunca tive que lavar um prato na idade deles. É um processo de aprendizado.

Ir ao mercado, cozinhar, lavar a louça e fazer faxina são minhas pequenas contribuições à equidade de gênero, atividades mais eficientes do que textão no Facebook. E lavar o próprio banheiro também tem muito sobre desigualdade social e violência, como foi brilhantemente relatado por Daniel Duclos num texto que para mim é referência. Por esses dois motivos, não delego esses trabalho a terceiros.

Coloquei a foto da Foliã para ilustrar a postagem porque essa desgraçadinha me faz lavar o quintal todos os dias: recolher o cocô, jogar água com sabão, esfregar com a vassoura, desinfetante e rodo. Não posso sair de casa sem fazer isso. Eu sei que é pouco, mas é minha microrrevolução diária.

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