segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Notas de um Bike Anjo

Sou voluntário Bike Anjo há mais de seis anos, ensino adultos a andar de bicicleta. Já ensinei mais de cem pessoas e esta é minha maior habilidade, não existe nada que eu faça melhor que isso. Não estou dizendo que sou um gênio, mas dentro da minha mediocridade este é meu maior talento.

Neste período, fiz algumas observações que compartilho abaixo:

Machismo (1): o número de mulheres que não sabe andar de bicicleta é muito maior do que o número de homens, e a explicação é simples: o machismo que as afasta de tantas outras ocupações no mundo é o mesmo que as impede de subir na bicicleta, considerada 'coisa de menino'. Já ensinei senhoras que levaram surras de seus pais pelo simples fato de subirem numa bike na infância;

Machismo (2): não é raro aparecerem idosas que só tiveram a oportunidade de fazer as coisas que sempre quiseram fazer depois da morte do marido. Ficaram viúvas, com filhos criados, e começaram a viver, aulas de dança de salão, passeios com as amigas e treinos de bicicleta. Acho triste, mas ao mesmo tempo feliz por elas pelo menos terem tido a oportunidade de se livrarem deste grilhão. Uma merda ter sempre um homem controlando a vida de uma mulher, primeiro o pai e depois o marido;

Machismo (3): é raro aparecer um homem sozinho. Geralmente ele vai com a companheira, depois de muita insistência e apoio dela. Não existe nada mais vergonhoso para um homem do que não saber fazer algo considerado normal pelos outros machos;

Dificuldade (1): o principal fator dificultador do aprendizado é o sedentarismo, não é o peso ou idade, como muita gente acha. Gordos e terceira idade ativos aprendem com facilidade;

Não conhecer o próprio corpo, a falta de condicionamento e atrofia muscular inerentes a alguém que não pratica nenhuma atividade física aumenta o tempo necessário de prática. Obviamente esse fator é agravado pela obesidade e idade;

Foto: Michelle Castilho
Dificuldade (2): acredito que nossos medos vão aumentando com o passar do tempo, por isso crianças aprendem com mais facilidade. O medo pode ser paralisante, e quando ensino alguém nessa situação preciso passar mais tempo dando, o que eu chamo, voltas de descompressão, que servem para acalmar o aprendiz, reduzir seus batimentos cardíacos, relaxar os músculos e ganhar um pouco de confiança;

Dificuldade (3): uma pessoa que só fez musculação, por conta da rigidez com que ficam os músculos, não tem a malemolência necessária para controlar a bicicleta. Também é um fator dificultador;

Facilidade (1): ninguém aprende mais rápido do que os surfistas. Eles sobem na bicicleta e já pedalam com algumas poucas orientações;

Facilidade (2): depois do surfe, as práticas que mais ajudam são a natação e a dança, que requerem a utilização de muitos músculos e noção espacial;

Equilíbrio: uma coisa que ouço em quase 100% dos casos: 'eu não tenho equilíbrio'. Me deixa explicar uma coisa sobre isso. Andar ereto sobre duas pernas é uma habilidade evolutiva que levou milhões de anos de seleção natural. É necessário um complexo conjunto de ferramentas físicas e neurais que só o ser humano possui, e parece fácil porque tivemos que treinar bastante na infância. Então, se você consegue andar, possui o equilíbrio necessário para pedalar. O que falta são outras habilidades já citadas aqui;

Uma aula tem duração média de 40 minutos e é a atividade que mais requer de mim, a imersão precisa ser total porque até os pequenos sinais que emito, como uma respiração mais funda, pode colocar o aprendizado em risco. Mas ainda assim é a prática que mais me dá prazer. Em 70% dos casos o aluno consegue traçar uma linha reta pedalando, e o sorriso que ele abre quando percebe que não tem ninguém segurando me transporta para um lugar que só a bicicleta é capaz de me levar.

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Gostaria de ouvir os amigos Bike Anjos sobre suas experiências. Concordam comigo? Gostariam de acrescentar algo?

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