terça-feira, 14 de maio de 2019

I know kung fu

Matrix mostra um futuro distópico no qual é possível fazer o download de qualquer habilidade em segundos. Trinity precisava aprender a pilotar um helicóptero e o operador 'instalou' o aplicativo em seu cérebro quase que instantaneamente. Professor para que, não é mesmo?

Neo, assim que foi desconectado, passou por um 'treinamento' de combate no qual aprendeu diversas lutas e operação de armas. Habilidades impossíveis de serem adquirida por um ser humano através das formas tradicionais de aprendizado, mesmo com anos de treinamento. Foram instaladas as habilidades técnicas mas quem fez a amálgama de tudo isso isso, quem deu motivação e sentido para o uso destas habilidades foi o Morfeu com questionamentos filosóficos como, por exemplo, o que é real.

Professores sempre serão necessários, não como transmissores de conteúdo, já que o aluno tem todo o conhecimento do mundo no bolso, mas como aquele vai ajudar na construção dos fundamentos morais e éticos destes saberes. Neo sabia lutar kung fu e como atirar com uma metralhadora, mas o que o moveu para a defesa da liberdade humana foi a filosofia. Sem refletir sobre conceitos como prisão, liberdade, realidade, democracia, justiça, servidão, entre outros, todas as pessoas daquele universo seriam exterminadas ou escravizadas pelas máquinas.


O dilema do carro autônomo 

A tecnologia está permitindo a aplicação prática de dilemas filosóficos antes restritos ao campo do exercício reflexivo. Um deles é o dilema do bonde:

Um bonde está desgovernado no trilho, indo no sentido de cinco pessoas que foram amarradas ali por um filósofo malvado. Você está parado ao lado da alavanca que pode mudar o bonde de trilho, mas  esta mudança matará um sexto indivíduo, também amarrado. Você puxaria a alavanca?

Diversas empresas estão desenvolvendo carros autônomos, que dirigem sem motorista, como a Google, Uber e Tesla. Esses veículos já rodam nos Estados Unidos e os programadores que estão escrevendo os códigos vão ter que decidir se a alavanca vai ser puxada ou não.

Uma decisão real que precisa ser programada: cinco crianças correm para o meio da rua atrás de uma bola. O carro pode realizar duas ações: atropelar as crianças e salvar o ocupante do veículo, ou se jogar contra a parede, salvando as crianças e matando o passageiro. 

O dilema do bonde era antes um exercício filosófico, agora o dilema do carro autônomo é um problema real. Alguém, sentado na frente do computador, precisa decidir o que o carro vai fazer. O que você escolheria?

Esta não é uma escolha individual e as aulas de filosofia dentro da grade do curso de programação de computadores vai ajudar a escolher a melhor resposta.

Essas questões aparecem também quando falamos sobre o avanço da tecnologia relacionada ao DNA e biotecnologia. Os filmes de ficção científica estão aí para mostrar isso, mas já nem são tão ficção assim.

Um mundo mais justo

Sou ateu, mas isso não significa que eu não acredite em coisas que não posso ver ou que não existam na natureza. Democracia, liberdade, direitos humanos e justiça são conceitos tão etéreos quanto religião e espiritualidade. Estas ideias começaram a surgir no ágora grego, praça onde todos os cidadãos debatiam a vida na cidade.

Se esses pensamentos hoje são aplicados no nosso cotidiano, regulamentando a convivência entre as pessoas e pautando nosso comportamento foi porque eles foram defendidos no campo filosófico (com algumas cabeças guilhotinadas). São conquistas que precisam ser resguardadas diariamente através não apenas das discussões, mas também pelas nossas ações que necessitam ter como fundamento esses ideais, e quem faz essa defesa são as ciências humanas e a filosofia.

Um farmacêutico, ao elaborar um novo medicamento, pode ter sido motivado a fazer isso apenas pelo lucro de sua empresa, mesmo que este lucro prive os doentes mais pobres do acesso ao remédio, ou pode ter sido guiado por um senso de justiça que busque a garantia de acesso ao tratamento por toda a população. Há quem acredite que é possível equilibrar essa balança, e a disciplina que vai levar esta discussão dentro da faculdade de farmácia é a filosofia. Sem esta discussão, o individualismo se fortalece e pavimenta a estrada rumo a mundo brutalmente desigual.

As artes marciais orientais não apenas ensinam a lutar, elas possuem toda uma fundamentação filosófica sobre o uso destas habilidades. O discípulo pode sair por aí dando chutes na cara dos outros na rua a troco de nada ou pode usar todo seu conhecimento na defesa dos oprimidos ou autodefesa. O mestre é quem vai guiar seus alunos para o melhor caminho.

Resumindo

Professores e mentores sempre serão necessários. Não como transmissores de conteúdo, mas como guias que ajudam seus discípulos a encontrar significado na técnica;

O método sem fundamentação filosófica favorece o individualismo e abre caminho para o fortalecimento de ditaduras e perda das liberdades;

As defesas da democracia, justiça e direitos humanos passam pela discussão profunda destas ideias até nos nossos atos mais cotidianos.

Atacar as ciências humanas é condenar nosso povo ao obscurantismo. 

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