terça-feira, 29 de outubro de 2019

O que a indústria nunca vai substituir

Na época da minha avó, para cozinhar um prato simples como um macarrão com molho de tomate e frango era necessário pegar a ave no quintal, matar, preparar a massa do macarrão, esticar e cortar, picar os tomates e cozinhar lentamente até virar molho.

De pouco tempo para cá, a indústria eliminou várias etapas. Preparar a mesma refeição requer apenas descongelar e assar o frango, esquentar o molho da caixinha e colocar o macarrão na água fervendo.

Agora, para muita gente, abrir uma embalagem deste mesmo prato e colocar no forno já é cozinhar. Certamente meus avós ficariam espantados se soubessem que em pouco tempo a galinha já viria limpa e cortada, o molho pronto dentro de um saquinho e o macarrão no ponto para ser fervido, assim como ficamos espantados quando alguém nos diz que esquentar uma refeição industrializada é cozinhar.
Cogumelos utilizados na receita
Mas qual é o limite? Quais são as ações básicas necessárias para podermos falar que cozinhamos nossa comida? Não existe resposta, e mesmo que houvesse ela mudaria com o tempo. Só uma coisa é certa: se alguém virar para mim e falar que cozinhou só colocando um congelado no forno vai levar um pescoção.

Independentemente disso, minha impressão é que a população tem passado cada vez menos tempo cozinhando, e esta também é a impressão de Michael Pollan em Cooked. Apesar do sucesso de dezenas de programas de televisão, como o Master Chef, e do surgimento de estrelas gastronômicas, a gente não coloca a mão na massa e vai deixado esta responsabilidade para a indústria, quem tem se esforçado muito para isso.

O resultado é o aumento do consumo dos ultraprocessados, ricos em sal, açúcar, gorduras e outros aditivos químicos que são comprovadamente prejudiciais à saúde. Mas mesmo que não fossem danosos (acredito que um dia não serão), existem outros motivos para a gente não ingerir esse tipo de composto que eles tentam chamar de comida.

A gente tem visto o que acontece quando empresas ficam ricas demais. Seus diretores e acionistas aferem milhões por ano enquanto, com a ajuda da tecnologia que vem substituindo o trabalho humano, seus funcionários recebem salários cada vez menores. Com o lobby que é feito junto a políticos, direitos trabalhistas e previdenciários são cortados e são criadas cada vez mais facilidades para exploração predatória da natureza. Comprar dessas empresas é deixá-las cada vez mais fortes e aumentar o abismo da desigualdade de social que está afundando o mundo.
Nosso espaguete ao pesto
Ao cozinhar mais e, consequentemente, ter que comprar ingredientes frescos, estamos fortalecendo pequenas famílias como as nossas. Estamos ajudando um pai a pagar um curso de inglês para seus filhos, comprar material escolar, roupas novas e quitar todos os boletos do mês. Vamos fazer nosso dinheiro circular entre a gente pois esta é apenas uma das formas de nos proteger do futuro da precarização do trabalho.

Esta decisão precisa ser colocada em prática em todo nosso consumo. Sou um apaixonado pelo meu Kindle, em segundos tenho na mão qualquer livro que quiser, mas não vou dar meu dinheiro para Jeff Bezos, um dos homens mais ricos do mundo e que explora seus funcionários. Vou comprar com o Ronaldo, livreiro dos bons e pai da Mila Flor. Ou na Livraria Folha Seca, com o Digão, um dos maiores bebedores de cerveja da Rua do Ouvidor.

Como já comentei aqui, estou me encontrando semanalmente com um amigo para cozinhar. Desta vez foi espaguete ao pesto e talharim com molho de cogumelos portobello. A massa foi feita do zero e só utilizamos ingredientes frescos ou minimamente processados. Derrubamos duas garrafas de vinho no processo e a vivência proporcionada pela experiência indústria nenhuma vai conseguir substituir.

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