domingo, 12 de janeiro de 2020

A História de Jairo

Fui estagiário de uma das maiores redes de supermercados do mundo. Processo seletivo dificílimo, milhares de candidatos. Sonho de todo estudante que se mostrou um pesadelo. Foi uma experiência rica, em termos de aprendizado profissional e humano, mas que me fez chorar algumas vezes ao chegar em casa. Foram tantas histórias que um amigo roteirista já quer transformar num longa-metragem.

Foi conversando com esse amigo que lembrei da história do Jairo, o cartazista. Sua posição era de extrema importância para todos os gerentes que tinham que abrir a loja com os preços de seus setores atualizados, por isso manter um bom relacionamento com ele era fundamental.

A principal ocupação do Jairo era ser pastor de uma congregação evangélica localizada num bairro pobre da Baixada Fluminense, trabalhar em supermercado era só o jeito que ele achou para pagar as contas.

Por algum motivo, Jairo não simpatizou comigo num primeiro momento e ele externava isso deixando meus cartazes para o final, mesmo que eu tenha sido um dos primeiros a chegar. Um dia descobri que ele tinha dois livros publicados sobre liderança e eu, estudante de administração, me interessava pelo assunto. Comprei um mas não consegui terminar a leitura. Seus argumentos falavam sobre liderança por uma perspectiva bíblica, de obediência aos desejos de deus e eu, ateu, não passei das primeiras páginas.

Jairo sempre esperou minha opinião sobre sua obra, mas nunca dei esse feedback. Em compensação conversamos muito sobre literatura. Expliquei como fazer o registro do livro na Biblioteca Nacional, coisa que ele não tinha feito, ISBN, Lei Rouanet e concursos literários. Viramos amigos e conquistei o primeiro lugar na fila dos cartazes.

Certo dia ele me narrou a história de um conto que estava prestes a escrever, sua obra-prima, acreditava. Contava o caso de um trabalhador de uma fazenda que tinha um patrão que oferecia casas aos seus funcionários, salário acima da média, que tratava todos muito bem. Em determinado momento ele percebeu o quanto aquela história estava inverídica, estava utópica demais já que nenhum patrão é tão bom assim. Ficou alguns dias pensando numa solução esse insight veio de repente: o protagonista estava sonhando. Depois de apresentar este universo quase perfeito, o herói acordava e percebia que tudo não tinha passado de um sonho. Um desfecho genial.

Quando eu era criança, provavelmente quarta séria, uma editora foi até a escola com um projeto de livro. Cada turma deveria escrever uma história que seria publicada, transformando todos os alunos em autores. Um dos contos tinha um desfecho parecido com o que Jairo imaginou para seu texto, o protagonista acordava de um sonho. É um final comum na literatura, um verdadeiro clichê que incomoda leitores mais experientes. A diferença entre as duas histórias está na idade de seus idealizadores, crianças do ensino fundamental e um senhor com aproximadamente sessenta anos.

Quando contei esse caso para meu amigo numa mesa de bar, achávamo-nos muito inteligentes por discutir o mito da caverna, a inexistência da verdade e da nossa total incapacidade de dar respostas curtas para muitos questionamentos, mas no final percebemos que a gente só estava reproduzindo pensamentos que filósofos gregos tiveram há três mil anos.

A solução para o conto do Jairo não era nova, assim como fazer analogias modernos ao mito da caverna também não é. O resumo disso tudo é: se há alguma verdade nesse mundo, é que a gente não sabe de porra nenhuma.

Ops, acho que alguém já disse isso.

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