Outro dia escrevi sobre a forca que existia na Praça Mauá e uma amiga comentou que nunca pisaria ali. Infelizmente andar no Rio é andar por um cemitério indígena e negro, praticamente cada uma das nossas esquinas tem um histórico de tortura e execução.
E nem adianta ficar em casa. Em 1996, ao fazer uma reforma residencial, uma família encontrou ossadas de escravos recém chegados ao Brasil. Eles moravam, literalmente, em cima de um cemitério e hoje esse espaço é o Instituto do Pretos Novos, local de visitação obrigatória para se saber como esse país foi erguido.
Existiam mais dois outros patíbulos na região: um na esquina da Avenida Passos com a Rua Senhor dos Passos, onde Tiradentes foi executado, e outro no Largo da Capim, Rua dos Andradas, demolido para dar passagem à Avenida Presidente Vargas.
Vale citar uma antiga tradição portuguesa trazida para o Rio, a lúgubre procissão dos ossos. Na noite anterior ao dia dos finados, a Irmandade da Misericórdia, com sede na Santa Casa (Rua Santa Luzia), vestida com capas pretas e sob a luz de tochas, punha-se em marcha pelas ruas recolhendo corpos pendurados nas forcas e demais cadáveres que não tinham direito a uma sepultura, descartados ao lado dos patíbulos, para um enterro cristão no cemitério do hospital.
Em 1498, o Rei Dom Manuel I permitiu que a Irmandade, todo dia primeiro de novembro, recolhesse os ossos dos justiçados para dar-lhes sepultura.
Em 1498, o Rei Dom Manuel I permitiu que a Irmandade, todo dia primeiro de novembro, recolhesse os ossos dos justiçados para dar-lhes sepultura.
Ponta do Calabouço
A vista ao decolar ou pousar no Santos Dumont é deslumbrante, mas muita gente não sabe que pertinho da atual cabeceira ficava a Ponta do Calabouço, uma repartição pública que tinha como objetivo castigar escravos, já que seus senhores estavam proibidos pelo Estado de infringir eles próprios as punições nos cativos.
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Mapa do Largo do Capim. A rua São Pedro virou a pista da direita e a Rua do Bom Jesus a da esquerda da Presidente Vargas (fonte) |
Comércio de escravos
A poucos metros da minha casa fica o Observatório do Valongo, campus dos cursos de astronomia da UFRJ. Um lugar incrível com diversas atividades para a comunidade, como observação dos astros, palestras e cursos.
Um de seus telescópios, disponível para visitação, ajudou a mapear o pouso do homem na lua.
Mas o lugar inicialmente funcionava como sítio de engorda dos escravos recém chegados da África. É muito provável que o caminho que eu faço até o trabalho, pela Ladeira do Valongo, seja o mesmo percorrido pelos africanos depois de desembarcar no Cais do Valongo, tombado recentemente pela Unesco por ter sido o porto que mais recebeu escravos no mundo, aproximadamente um milhão de pessoas chegaram por ali para realizar trabalhos forçados.
O extermínio continua
A prática de execução de negros, infelizmente, continua em vigor nas nossas favelas, herança portuguesa desde os primórdios da cidade.
Caminhar no Rio é caminhar sobre sangue.
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