terça-feira, 3 de maio de 2022

A farsa dos nutrientes

Licopeno, substância presente no tomate, combate câncer de próstata. O betacaroteno, presente nas cenouras, faz bem para os olhos. Isso faz bem pra aquilo. Aquilo faz bem pra aquilo outro.

Esses tipos de afirmações são comuns, vindas até de profissionais de nutrição e de veículos de comunicação respeitáveis. Hoje mesmo vi uma matéria na BBC falando que a beterraba ajuda a correr mais rápido. Mas por que essas alegações não são confiáveis e por que é perigoso reduzir os alimentos a uma mera combinação de nutrientes? Segue o fio.

Ciência difícil de fazer

Verificar o benefício que um nutriente traz a uma pessoa é uma tarefa quase impossível de ser realizada. É preciso analisar a dieta de milhares de pessoas ao longo de vários anos para perceber mudanças, muitas vezes subjetivas, de melhoras no desempenho de alguma função corporal*. 

Esse acompanhamento é feito por complicados questionários no qual os voluntários precisam responder sobre seu histórico alimentar a cada xis meses, mas as pessoas simplesmente esquecem como se alimentaram no período analisado, sem falar que também podem mentir sobre sua dieta e não saber a composição do que comeram (no caso de refeições feitas em restaurantes), o que complica ainda mais a coleta de dados corretos.

Fatores ambientais, como a prática de atividade física, tabagismo e alcoolismo, exposição à poluição ou agrotóxicos, e fatores genéticos são outras variáveis que interferem na saúde, fazendo com que o surgimento ou não de uma doença não possa ter relação com o nutriente que está sendo pesquisado. O tomate possui centenas de nutrientes, tornando ainda mais difícil saber qual deles é responsável pelos supostos benefícios que traz. Pode ser o licopeno, mas pode ser qualquer outro, ou a combinação de duas ou mais substâncias.

Ou seja: é impossível isolar uma variável num grupo de milhares de pessoas ao longo de vários anos e depois afirmar que ele previne alguma doença. 


Nutricionismo

O nutricionismo é a redução dos alimentos a sua composição química. A palavra é formada pela junção de ‘nutrição’ e ‘reducionismo’. O maior problema dessa abordagem é que a indústria alimentícia se apropria das afirmações de saúde ligadas à nutrientes para lançar produtos supostamente saudáveis.

E se a Coca-Cola colocasse licopeno em sua fórmula, isso faria do refrigerante uma bebida saudável (ou menos prejudicial)? Claro que não. Pesquisas mostram que o grande público é muito suscetível às mensagens publicitárias contidas nas embalagens de ultraprocessados e suas alegações de saúde, como as que estão presentes em biscoitos e bebidas lácteas. Um biscoito fortalecido com vitamina vai continuar sendo comida porcaria.

Outro fator a considerar é que os nutrientes isolados não demonstram os mesmos supostos benefícios do que os alimentos onde estão contidos, e suplementos alimentares têm se mostrado repetidamente inócuos.

O resumo é: não ligue para afirmações nutricionais que ligam nutrientes únicos a melhora de funções corporais; prefira alimentos frescos e evite ao máximo ultraprocessados. A indústria mente e vai fazer de tudo para te confundir.

*****


* exceto em caso de doenças causadas pela falta de nutrientes únicos, como o escorbuto. Felizmente essas doenças não fazem mais parte do nosso cotidiano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário