sexta-feira, 28 de maio de 2021

Cinco reais e setenta centavos

Cinco reais e setenta centavos. Foi o valor da compra no mercadinho. Dois miojos e alguns outros itens que não consegui ver. O menino estava animado em almoçar com a avó, apesar das restrições de não levar as guloseimas que todo garoto da sua idade gosta de comer.

Às rugas de idade da senhora, somavam-se as de preocupação. Só tinha cinco reais de crédito no cartão alimentação que segurava. Fez menção em retirar algum item do seu já combalido cardápio, mas a caixa percebeu que a velha carregava algumas moedas na mão. Contou sessenta centavos, mas disse que depois ela poderia trazer os dez centavos restantes.

Na minha cestinha, algumas latas de cerveja. Cada uma delas custando seis reais. O almoço da senhora e seu neto: cinco reais e setenta centavos.

Claro que eu não deixaria ela tirar nada de suas compras, pagaria tudo se fosse necessário. Também poderia ter feito uma pequena feira ou dado uma cesta básica da Ação da Cidadania, mas tudo aconteceu tão rápido que não consegui fazer nada.

Trabalho com a fome no Brasil. Passo o dia inteiro recebendo mensagens de gente pedindo comida. A noite, nos finais de semana, não importa. Estou nessa função 24 horas por dia. Quando a barriga dói, o relógio não faz a menor diferença.

É emocionalmente muito desgastante. Como forma de preservação, tento me distanciar disso em alguns momentos, como quando estava no mercadinho comprando cervejas para beber em casa depois de um dia de trabalho. Na hora não tive reação, foi muito rápido, mas fiquei com a sensação de que deveria ter feito alguma coisa.

Mas não adianta, a sensação de nunca conseguir fazer o suficiente me acompanha o dia inteiro.

Carrego essas dores comigo, mas não sou de ficar falando disso por aí. Troquei a terapia pelo remo e, de longe, no mesmo lugar por onde os europeus chegaram em suas naus e caravelas, fico admirando a beleza dessa cidade e esqueço por alguns momentos o caos em que estamos.

Tento me apegar aos bons momentos (se é que existe mesmo isso), como a mensagem do cacique pataxó da Bahia falando da importância das cestas que a Ação da Cidadania enviou e do áudio do podcast que ele, enquanto estudante de ciências sociais, gravou na universidade com o tema insegurança alimentar.

Ou vendo as fotos dos alimentos subindo ria acima de barco na Amazônia. Ou para ribeirinhos do Pantanal. Ou nas periferias e para refugiados.

Terra Indígena de Areões, Mato Grosso, recebendo cestas básicas da Ação da Cidadania
 

O primeiro ato do Jair Bolsonaro quando assumiu a presidência foi acabar com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, entidade que ajudou o país a sair do Mapa da Fome da ONU. É muito significativo o que ele fez. Hoje o Brasil não tem nenhuma política de combate à fome, estamos à deriva enquanto caminhamos a passos largos em direção ao abismo.

Se você não teve perda de renda durante a pandemia, considere fazer uma doação para a campanha Brasil Sem Fome. Cada cesta básica doada tem dez quilos e faz cinquenta refeições. Custa cinquenta reais, um real por refeição. Tem salvado muitas vidas.

Também é urgente tirar Bolsonaro do poder. Cada dia a mais como presidente, o Brasil assina dezenas de certidões de óbito.

Eles combinaram de nos matar, nós precisamos combinar de não morrer.

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