Da mesma forma em que um terço dos brasileiros acredita que a culpa do estupro é da mulher que usou roupas ‘provocativas’, o ciclista vítima de um atropelamento também é visto como o responsável.
Os primeiros depoimentos dados por testemunhas sobre a morte de Júlia Resende na rua São Clemente diziam que ela se desequilibrou ao passar por um buraco e caiu na frente do ônibus. A imprensa e falsos ciclo ativistas imediatamente colocaram a culpa no asfalto, isentando o motorista.
Essa versão caiu quando as imagens de câmeras de segurança mostraram que o motorista não respeitou o metro e meio de distância conforme manda o Código de Trânsito Brasileiro, jogando Júlia no chão e passando por cima com as rodas traseiras.
É muito assustador que pessoas que estavam no local e falaram que viram o que aconteceu darem uma versão diferente daquela mostrada nos vídeos. Tenho lido algumas coisas sobre falsas memórias e o quanto esses depoimentos influenciam julgamentos, podendo, inclusive, condenar inocentes. A ciência tem tentado explicar esse mecanismo e um dos motivos está ligado a ideias preconcebidas que as pessoas possuem da sociedade, como achar que pedalar é uma atividade perigosa e que o ciclista está conscientemente assumindo um risco ao fazê-lo. Logo, diante de um atropelamento, a tendência é imediatamente responsabilizar a vítima.
Protesto pela morte de Júlia Resende |
Há menos de um mês, Maximo Gorosito também foi assassinado por um ônibus na Dom Hélder Câmara, e enquanto fazíamos um protesto reivindicando no mínimo uma investigação, silenciosamente desejávamos não sermos os próximos a ter o futuro esmagado debaixo das rodas de um monstro de dez toneladas.
Cabe um esclarecimento: acidente é um evento danoso no qual não é possível apontar culpados. Um motorista ter um mal súbito, desmaiar e atropelar alguém, é um acidente. Agora, quando a colisão acontece por direção perigosa e imprudência é crime. Por isso gritamos nos atos que fazemos como protesto que ATROPELAR CICLISTA NÃO É ACIDENTE.
Não respeitar a distância de um metro e meio, conforme o artigo 201 do CTB, além de ser infração média, coloca em risco a vida do ciclista. Se não der para realizar a ultrapassagem respeitando este espaço, aguarde até o momento em que seja possível. Bicicleta não causa engarrafamento, essa atitude, além de não ameaçar ninguém, não vai atrasar o percurso mais do que alguns poucos minutos, às vezes nem isso.
Ciclista, se necessário, ocupe toda a faixa de rolamento se estiver numa pista estreita sem espaço para que o carro ultrapasse de maneira segura. Ter coragem para fazer isso exige experiência, mas muitas vezes é a única forma de se proteger.
O assassinato da Júlia tem muitos culpados: o motorista, ao não respeitar a lei e a vida, a prefeitura, a guarda municipal, quando não fiscaliza, o secretário de transportes e de meio ambiente, o empresário rodoviário que submete seus funcionários a cargas de trabalho abusivas entre outros. Enquanto todos eles não forem responsabilizados, continuaremos atrapalhando o trânsito por alguns minutos depois de perder mais um dos nossos debaixo das rodas de um ônibus.
Publicado inicialmente em http://magreladobravel.com.br/atropelar-ciclista-nao-e-acidente/
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